A hepatite viral é uma doença caracterizada por um processo inflamatório que acomete os hepatócitos, ou seja, as células do fígado. Dentre as causas, se inclui a infecção causada por vírus hepatotróficos-A,B,C,D,E, os quais são diferenciados por sutis alterações em seu material genético. Os subtipos da doença variam de acordo com agente etiológico, potencial de cronicidade, formas de transmissão, manifestações clínicas e métodos terapêuticos (MORAIS et al.,2024). As hepatites virais constituem um dos temas que compõem o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), sendo com maior frequência o protocolo usado nos casos de hepatite B, hepatite C e Coinfecções, publicados pelo Ministério da Saúde do Brasil (DUARTE et al.,2021). Nesse viés, a preocupação com as HV e a mobilização para a luta contra elas são mundiais. A estratégia global do setor de Saúde, da OMS, endossada pelo Brasil, adota iniciativas voltadas à prevenção e ao controle dessa doença, com o intuito de obter resultados até o ano de 2030. O objetivo é reduzir em 90% as novas infecções e em 65% as mortes (NOVAES et al., 2021).
Globalmente, essas infecções são responsáveis por mais de 1,34 milhões de óbitos por ano, dos quais 66% são causadas pela hepatite B, 30% pela hepatite C e 4% pela hepatite A. Essas mortes são causadas, principalmente, pelas complicações crônicas das hepatites, como insuficiência hepática, cirrose e hepatocarcinoma. Segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 354 milhões de pessoas ao redor do mundo vivem com hepatite B ou C, sem acesso a testes ou tratamento (MORAIS et al.,2024). Outrossim, entre os anos de 1999 a 2019, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) registrou a ocorrência de 673.389 casos de hepatites virais no Brasil (DUARTE et al.,2021). A transmissão da doença muda conforme o seu subtipo, sendo que a hepatite A e E é transmitida de forma fecal-oral, por meio de água e alimentos contaminados. Por outro lado, as hepatites B e C são transmitidas por meio de sangue, de forma vertical e por via sexual (MORAIS et al.,2024). No entanto, é preciso salientar a existência de estudos que relatam a transmissão do vírus da hepatite A através do contato sexual, o que reforça a necessidade de existência de medidas profiláticas entre os adultos e não só para crianças (DUARTE et al.,2021).
Nesse contexto, cabe salientar que a hepatite A causou a morte de 7.134 pessoas em 2016, com 50% dos casos no continente Asiático. O vírus da hepatite B foi a causa da morte de 29% das pessoas portadoras de cirrose hepática no mundo e com câncer hepático, durante o ano de 2017. Sua forma crônica teve prevalência de 257 milhões de pessoas em 2015, com 68% em regiões africanas com transmissão vertical e através do uso de drogas intravenosas e sexualmente. Somado a isso, o HCV se manifestou entre os anos de 1990 a 2010 com um aumento progressivo, sendo que mais de 71 milhões de pessoas são portadoras do vírus, estando presente em todas as partes do mundo devido aos seus vários sorotipos. Da mesma forma, houve um aumento de pessoas contaminadas com o vírus da hepatite D, com estimativa de 72 milhões de infectados. Nesse sentido, a OMS estima 20 milhões de novas infecções pelo HVE a cada ano mundialmente (BORGES et al.,2023).
Salienta-se que esta doença é negligenciada e está diretamente ligada ao nível socioeconômico de cada região. A hepatite é evitável, tratável e, no caso da hepatite C, as chances de remissão são significativas. Prevalece, hodiernamente, grandes iniquidades no acesso aos métodos de prevenção, tratamento e controle (NOVAES et al., 2021). As hepatites virais representam uma grande problemática devido à elevada taxa de prevalência, incidência e mortalidade. Sendo assim, seus casos são considerados como casos de notificação compulsória, sobre a ocorrência de suspeita ou confirmação de doença, agravo ou evento de saúde pública (TIMÓTEO et al., 2020).
Nos quadros de hepatite A, transmitida pela HAV com genoma composto por ácido ribonucleico, os sintomas vão variar com a idade, sendo frequentemente assintomática em crianças, mas causando sintomas constitucionais como febre, fadiga, inapetência, mal-estar e icterícia em adultos, possuindo tratamento de suporte destinado aos sintomas e vacinação com método de prevenção. No caso da hepatite B, o tratamento com antirretrovirais pode controlar a replicação viral, melhorando o prognóstico, embora a eliminação completa do agente etiológico seja um grande gargalo do tratamento, sendo a vacinação, novamente, fundamental na profilaxia. Já em relação ao HCV, o subtipo está associado a várias complicações hepáticas, seu agente etiológico sofre uma série de mutações, o que dificulta seu tratamento e contribui para o aumento de seu potencial de cronicidade, no entanto, a maior parte dos pacientes são assintomáticos. Sua diferença em relação ao tipo B é a possibilidade de evolução para carcinoma hepatocelular sem causar cirrose previamente. A hepatite D é uma complicação da hepatite B e pode resultar em doença hepática grave, possuindo tratamento complexo. Ademais, cabe ressaltar que a hepatite E é comum em áreas com más condições de saneamento, geralmente se manifesta assintomática, podendo causar hepatite aguda autolimitada e de curta duração. Sua prevenção é extremamente importante durante o período gestacional pois a mesma pode causar complicações neonatais (BORGES et al.,2023).
A melhor forma de profilaxia é a vacinação. Entretanto, encontram-se disponíveis apenas vacinas para o subtipo B ofertadas pelo Sistema Único de Saúde e deve ser tomado ainda nos primeiros 6 meses de vida em 3 doses. O diagnóstico da doença é feito pela avaliação de marcadores hepáticos como bilirrubina, aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT) e os testes sorológicos e moleculares específicos para cada subtipo. O tratamento varia, porém, com recorrência é feito com antirretrovirais e interferon com o objetivo de prevenir os danos hepáticos. Atualmente, há cinco medicamentos aprovados para o tratamento da hepatite B: interferon-a, lamivudina, adefovir, entecavir e telbivudina que interferem no processo de replicação viral e defesa celular. Os medicamentos podem causar efeitos colaterais, por isso, é necessário o acompanhamento multidisciplinar durante todo o tratamento (MORAIS et al.,2024). É possível evidenciar que o tratamento medicamentoso da hepatite B é capaz de reduzir a virulência, a necessidade de transplante hepático e a mortalidade por neoplasias malignas (BORGES et al.,2023). Ressalta-se que o HBV pode mostrar-se como doença aguda ou crônica. Na fase aguda, as manifestações clínicas são comuns a outras hepatites virais (DUARTE et al.,2021).
Já na hepatite C, seu diagnóstico depende da demonstração da presença dos anticorpos específicos anti-HCV, que aparecem na maioria dos infectados cerca de 2 a 8 semanas depois do início da infecção hepática, e da viremia que pode ser identificada cerca de uma semana depois da exposição. Suas complicações ocorrem quase exclusivamente nos doentes que desenvolvem cirrose, muita das vezes silenciosa, se manifestando com descompensação da função hepática, hepatomegalia, esplenomegalia, ascite, hemorragia digestiva alta (varizes esofágicas), encefalopatia, hiperbilirrubinemia, hipoalbuminemia e trombocitopenia. A evolução molecular do vírus desempenha um papel importante na transmissão do HCV, na progressão da doença e no resultado da terapia. Os medicamentos utilizados são Sofosbuvir, Daclatasvir e Simeprevir, que inibem a replicação viral (MORAIS et al.,2024). O intuito principal do tratamento é fornecer uma resposta sustentada ao vírus, definida como RNA viral indetectável mesmo após 12 semanas do término do tratamento. O tempo de tratamento varia de 12 a 16 semanas considerando o grau de cirrose do paciente, sendo necessário o rastreamento de carcinoma hepatocelular e acompanhamento no caso de fibrose avançada (BORGES et al.,2023). Na infecção pelo HCV, observa-se que cerca de 50% a 85% das pessoas evoluem para a forma crônica da infecção, apresentando manifestações clínicas inespecíficas como cansaço, alterações do sono, náusea, diarreia, dor abdominal, anorexia, mialgia, artralgia, fraqueza, alterações comportamentais e perda de peso, além de problemas extra-hepáticas (DUARTE et al.,2021).
Em relação a hepatite D, seu vírus é considerado híbrido, sendo capaz de infectar apenas pacientes infectados concomitantemente com HBV, podendo existir a superinfecção, evoluindo frequentemente para a cronicidade e cirrose hepática. Os sintomas incluem icterícia, edema, anorexia e náuseas. O interferon alfa é a única opção terapêutica e causa diminuição da replicação viral e normalização das aminotransferases. Em casos específicos pode ser utilizado o interferon beta, sendo a resposta potencializada quando ocorre o diagnóstico precoce (MORAIS et al.,2024). No caso desse subtipo, opta-se por realizar o tratamento somente para pacientes com RNA viral detectável e doença hepática confirmada . No caso de HEV, quando necessário em casos graves com quadro de insuficiência hepática, o transplante hepático se torna necessário e o tratamento com ribavirina(BORGES et al.,2023).
O diagnósticos das hepatites virais, principalmente os tipos B e C, ocorre na maioria das vezes durante a fase crônica da doença, fato que deve ser considerado no momento da condução terapêutica. Os marcadores bioquímicos relacionados ao funcionamento hepático podem contribuir para o diagnóstico laboratorial das hepatites virais, além de apontar as condições de saúde hepática, sendo eles: gamaglutamil transpeptidase, fosfatase alcalina, bilirrubina conjugada elevada, AST e ALT com valor aumentados de 10 a 40 vezes, sendo possível detectar o aumento das enzimas antes do início dos sintomas. A AST é encontrada em maior quantidade na mitocôndria dos hepatócitos, indicando uma lesão mais grave, já a ALT tem maior predominância no citoplasma, demonstrando dano hepático leve. Quando os pacientes possuem alteração nos marcadores laboratoriais acima, é necessário a realização de exames específicos pela sorologia. O diagnóstico precoce é essencial para o tratamento e para evitar as formas crônicas das hepatites e suas complicações. Além disso, é de extrema importância que a sociedade conheça as formas de transmissão de cada tipo de hepatite para que possam realizar as medidas profiláticas cabíveis (MORAIS et al.,2024). A incorporação dos testes no SUS ampliou as oportunidades de testagem e de diagnóstico precoce dessas infecções, até mesmo em locais de difícil acesso. A testagem deve ser ofertada ou solicitada para todas as pessoas de maior vulnerabilidade ao agravo e em situações de risco (DUARTE et al.,2021).
Com base na análise dos dados supracitados, conclui-se que, mesmo com o avanço de pesquisas envolvendo tais afecções virais, os casos de hepatites, bem como suas complicações, continuam prevalentes e em ritmo crescente globalmente. Sendo assim, urge que medidas mitigadoras sejam tomadas para a problemática em questão. Nesse contexto, é de extrema importância que informações sejam elaboradas e disponibilizadas para a população com o intuito de que a mesma conheça as particularidades das hepatites e de seus subtipos. Ademais, evidencia-se a necessidade de maior alcance da sociedade aos métodos de profilaxia, diagnósticos e tratamentos da doença. A divulgação de informações se justifica pela necessidade de dar subsídios para que a sociedade possa ser protagonista no enfrentamento das infecções, reforçando as estratégias de controle e combate em todos os espaços de produção social da saúde.
Escrito por: João Victor da Silva Santos – Discente do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Viçosa e integrante da equipe de pesquisadores da MEDYES.
Revisado por: Flávia Barbosa Batista de Sá Diaz – Doutora em Ciências da Saúde, docente do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Viçosa e orientadora da equipe de pesquisadores da MEDYES.
Referências:
MENESES, Anna Júlia et al. Hepatites virais de potencial cronicidade. Brazilian Journal of Implantology and Health Sciences, v. 6, n. 4, p. 1543-1557, 2024.
BORGES, A. P.; MACHADO, I. C.; FONSECA, L. A.; DE ANDRADE, G. M. N.; SILVEIRA, A. A. D. Hepatites virais – perspectivas atuais de manejo e prevenção. Brazilian Journal of Health Review, [S. l.], v. 6, n. 5, p. 24250–24257, 2023. DOI: 10.34119/bjhrv6n5-475. Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BJHR/article/view/63752. Acesso em: 6 may. 2024.
DUARTE, Geraldo et al. Protocolo Brasileiro para Infecções Sexualmente Transmissíveis 2020: hepatites virais. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 30, p. e2020834, 2021.
NOVAES, A. C.; TIROLI, C. F. .; RIBEIRO, B. Q.; FERREIRA, N. M. de A.; FURUYA, R. K.; GALHARDI, L. C. F. .; TOMEDI, D. J. G. .; COTARELLI, L. F.; PIERI, F. M. Viral hepatitis in the brazilian context: an integrative review. Research, Society and Development, [S. l.], v. 10, n. 1, p. e12510111579, 2021. DOI: 10.33448/rsd-v10i1.11579. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/11579. Acesso em: 7 may. 2024.
TIMÓTEO, M. V. F.; ARAUJO, F. J. da R.; MARTINS, K. C. P.; SILVA, H. R. da; SILVA NETO, G. A. da; PEREIRA, R. A. C.; PAULINO, J. de S.; PESSOA, G. T.; ALVINO, V. de S.; COSTA, R. H. F. Epidemiological profile of viral hepatitis in Brazil. Research, Society and Development, [S. l.], v. 9, n. 6, p. e29963231, 2020. DOI: 10.33448/rsd-v9i6.3231. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/3231. Acesso em: 7 may. 2024.
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